quarta-feira, 29 de setembro de 2010

26/09/2010 - John Cage, Sonates & Interludes

Já bem sei que, após meses sem escrever nada neste blog, não há leitor que suporte e continue acompanhando o site. Ainda mais, claro, com Twitters e assemelhados jorrando palavras diariamente, ao que me parece engraçado lembrar do Pós-Concerto como universo paralelo, que se move lentamente e sobre um outro eixo que não o da hiperatividade cibernética. Mas, qual! Que não se pense que isso faz desse blog um lugar morto! Ao contrário, o Pós-Concerto segue mais vivo que nunca, e por ser silencioso não deixará de ser francamente mordaz:

A bola da vez no submundo dos concertos em Porto Alegre é a apresentação integral das Sonatas e Interlúdios (1946-1948) do compositor americano John Cage, conjunto de peças para piano preparado. Os quatro pianistas que se alternaram na performance foram Lúcia Cervini, Guilherme Goldberg, Joana Holanda e Catarina Domenici. Embora cada pianista tenha tocado seu quinhão aparentemente proporcional no conjunto das peças, é já digno de nota que a sua sucessão no palco foi completamente irregular, quase ou tão assimétrica quanto a própria disposição das Sonatas e Interlúdios. E por isso reproduzo abaixo o programa do concerto:

1. Sonata I (1)
2. Sonata II
3. Sonata III
4. Sonata IV (2)
5. Primeiro Interlúdio
6. Sonata V
7. Sonata VI
8. Sonata VII (4)
9. Sonata VIII
10. Segundo Interlúdio
11. Terceiro Interlúdio (3)
12. Sonata IX
13. Sonata X (4)
14. Sonata XI
15. Sonata XII (2)
16. Quarto Interlúdio (1)
17. Sonata XIII
18. Sonatas XIV e XV Gemini (3)
19. Sonata XVI

(1) - Lúcia Cervini
(2) - Catarina Domenici
(3) - Guilherme Goldberg
(4) - Joana Holanda

Essa foi a primeira vez que escutei a peça ao vivo (e aliás foi sua estreia em POA também), e muito me lembrei de uma gravação que tenho, a qual sempre me levava a refletir sobre o som insípido que tinha o piano preparado justo em sua peça mais célebre. Pois bem, o instrumento criado nesse concerto era sensacional, com sonoridades ricas e que sinceramente pareciam instrumentos de percussão: particularmente as ressonâncias de gongos eram muito interessantes. E talvez por este motivo não são poucos os que concebem a gravação de uma obra musical como uma espécie de maquete, que apresenta traços gerais de algo (potencialmente) melhor e "real".

E também não devem ser poucos que, como eu, tiveram um salto de interesse cada vez que Domenici entrou no palco para dar sua contribuição. Os demais pianistas tocaram bem, cada qual com sua personalidade, no que eu me arriscaria a dizer que graduavam entre o tipo mais impassível, lembrando o melhor estilo Bach-edição-Urtext-não-expresso-nada-fora-do-compositor de Guilherme Goldberg, por um lado, e os gestos mais variados de Joana Holanda. Mas a Catarina Domenici de fato transcendeu esse tipo de classificações, pois foi única em sua performance, combinando naturalmente concisão e expressividade de tal forma que cada movimento seu fizesse parte da música, assim como as notas. Claro, isso é uma espécie de impressão poética sobre o visto/ouvido, mas justamente sua existência é indício de uma interpretação inovadora.

Além de felicitar os envolvidos no concerto, quero ainda ressaltar a atitude importante de cobrar os 30 reais de entrada, que são uma maneira de valorizar o trabalho dos artistas, e assim ir na contra-corrente do afundamento mercadológico que representam os incentivos fiscais na área da cultura, onde nos acostumamos a ir de graça no concerto e depois gastar os 30 ou 40 pilas em cerveja. Só teria a dizer que o figurino foi um pouco aquém do resto, com umas túnicas que mais pareciam de formandos ou qualquer outra coisa acadêmica e enfadonha.

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