terça-feira, 9 de novembro de 2010

08/11/2010 - Beethoven no Theatro São Pedro

A Orquestra de Câmara do Theatro São Pedro, mais uma vez, foi muito feliz em optar por tocar Beethoven, nesse caso o Concerto para Piano nº4 e a Sinfonia nº7, além da Abertura de Prometheus. Não é simplesmente uma questão de reverenciar os cânones da música clássica; é também um acerto com a personalidade da orquestra e do próprio maestro. Sendo uma orquestra de cordas, habituada a repertórios mais camerísticos, as coisas no São Pedro tendem a manter um certo frescor que não se percebe numa apresetação da OSPA, onde frequentemente a pretensa pomposidade do ambiente vai amaciando as arestas da música de Beethoven, tornando-o mais civilizado.

Quem poderá dizer que lhe falta vigor à regência do Maestro Antônio Carlos Borges-Cunha? Do jeito em que vier, a música dele chega sempre com os dois pés, e no caso do nosso concerto isso se traduziu essencialmente em articulações claras e contrastes de dinâmica, imprescindíveis em Beethoven principalmente no delineamento formal da música. O outro ponto nevrálgico beethoveniano, o ritmo, frustrou um pouco o que seria uma apresentação excelente: os diversos escorregões nas entradas de instrumentos e as inconstâncias de andamento foram lamentáveis, já que talvez um pouco mais de atenção ou ensaio teriam elevado ao dobro a qualidade do concerto. Esses percalços se fizeram sentir principalmente no Concerto para Piano, seja por conta das liberdades da pianista Amy Lin (que a mim mais me pareceram displiscências), seja pelo acompanhamento sempre receoso do maestro. O fato é que a orquestra se apagou durante toda a obra, e como a interpretação da pianista já era um tanto efêmera, eu diria que o resultado foi estranho, com todos pisando em ovos (pianista, maestro, orquestra e platéia).

Apesar de a abertura do balé Prometheus ter sido a peça mais bem tocada da noite, é claro que a Sinfonia nº7 causou muito mais interesse em todos. Com andamentos elevados (acho que a versão mais rápida que já escutei), a orquestra pareceu por alguns momentos em seu limite, principalmente no 3º e 4º movimentos. Mas como já disse, a clareza de articulações e as dinâmicas rompantes deixaram a apresentação muito interessante. E se bem o célebre Allegretto me pareceu alegre demais (talvez mal-acostumado com as gravações do Karajan), a interpretação individual dos músicos foi contundente. Só me sinto constrangido, mais uma vez, por ter que mencionar a irregularidade das trompas, seja por desafinações ou por notas erradas mesmo. Vá que as cordas não estiveram impecáveis nesses quesitos, mas então pelos menos o grupo acabava por mascarar um que outro resbalo. Aliás, um dos primeiros violinistas simplesmente se retirou do palco durante o primeiro movimento, retornando uns minutos depois. Não sei qual o protocolo nesse caso, mas teria sido melhor voltar ao final do movimento, não? E que diabos foi ele fazer no camarim?

Mas concluamos. A OCTSP está de parabéns, e gostaria mesmo de incentivá-los a tocar mais Beethoven. Seria um grande evento para Porto Alegre se tocassem a série completa das sinfonias em umas duas semanas. Ah, aí ia chover posts neste blog!

sábado, 6 de novembro de 2010

05/11/2010 - AFFOSPA Contemporânea VII

Fosse o que fosse o tal concerto de "Música de Câmara Contemporânea", com essa denominação AFFOSPA não é de se admirar que apenas uns vinte corajosos foram conferir o evento (entre curiosos e esposas dos músicos participantes). Mas aos desconhecedores das siglas bizarras faço saber que trata-se aqui da "Associação dos Funcionários da Fundação Orquestra Sinfônica de Porto Alegre", o que no caso desse concerto quer dizer simples e especificamente: músicos da OSPA. E, de fato, não teria sido "OSPA Contemporânea" um nome muito mais comunicativo, e menos espantoso? Se a burocracia do poder público, tão arraigada à própria existência da OSPA, viesse a proibir um nome assim, ora, nesse caso fiquemos com o nome "Contemporânea VII" mesmo, e guardemos AFFOSPA para um rodapé explicativo no programa do concerto. Afinal de contas, se poderia classificar o evento genericamente como uma junção ao acaso de performances dos músicos interessados em tocar algo fora do irredutível cânone "ospiano".

(e chega de aspas neste texto)

Mas enfim, tudo nesse concerto foi fora do normal, desde a duração desproporcionada de 2h e meia, passando pelo programa totalmente desconexo, até a própria performance dos músicos, que caminhavam por todos os lados, sentavam-se no chão, trocavam de instrumentos e por aí vai. O apresentador da noite, verdadeiro showman, não deixou de dar sua opinião aqui e ali sobre várias questões concernentes ao repertório, histórico dos músicos, sobre a música em geral e, porque não, sobre a própria AFFOSPA. Inclusive nos leu relatos centenários sobre instrumentos grotescos inventados na corte do imperador Carlos V, lá em meados do século XVI.

Agora, meu caro leitor, talvez possas te perguntar juntamente comigo em bom gauchês: Mas daonde?? Que circunstâncias aleatórias foram capazes de gerar um concerto tão inusitado, tão confuso, tão... não sei o que dizer. Mas vejam o programa, tal qual divulgado no blog da AFFOSPA:

Yoshiro Irino - Movements
Javier Alvarez - Temazcal
Béla Bartók - Duos para violinos
Luís Solér Realp (?-) - Seis Canções Folclóricas Brasileiras
Marcus Cohen (1977-) - Seis peças para Tuba solo (2002)

intervalo
Fabio Mentz* - Improviso
Günther Leyen* - Improviso
Adolfo Ameida* - Improviso

(Concerto sem intervalo) (!!!)

*Composições própias (!!!)

Músicos da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre
Adolfo Almeida, Fabio Mentz, Günther Leyen, Whilton Mattos, Carlos Sell, Danilo Campos, Paulo Zorzetto.


(As exclamações são minhas)

E aqui as coisas começam a tomar forma: o local onde se realizou o concerto foi a sala de ensaios da OSPA, no Armazém A3 do Cais do Porto. Por um lado tínhamos a vista do Guaíba ao por-do-sol, espetacular; por outro, a sala ainda desarrumada do último ensaio da orquestra, com os instrumentos de percussão à vista, caixotes e cadeiras espalhadas pelos cantos. Esse ambiente nos deu uma sensação de informalidade cada vez mais agradável, onde músicos e espectadores foram se misturando numa espécie de terapia coletiva na qual tudo o que normalmente seria disparatado passou a ser adequado. E o tempo foi passando, passando. No momento das improvisações, já tínhamos escutado duos de violinos, um solo de tuba com performance teatral, e uma peça para tape e maracas (!!!). Ou seja: já estávamos totalmente nas mãos do azar, tanto que o fato de o fagotista da OSPA, Fábio Mentz, sentar a tocar no latofone (instrumento de percussão por ele construído com latas velhas) não nos causou a menor estranheza. E depois ele vai improvisar ao piano e, porque não?, ao próprio fagote. Entra ainda Günther Leyen com sua cravina (nem perguntem, esse instrumento é também invenção própria) e toca junto, perto do momento em que percussionista da primeira parte volta pra tocar pratos, surdo, e novamente maracas, e aí surge outro fagotista chamado Adolfo Almeida, com outro amigo que nem estava no programa para tocar berimbau, e esses últimos improvisam com o primeiro fagotista para em seguida tocar diversos tipos de flautas enquanto o percussionista do berimbau começa a tocar um vaso de barro e o primeiro fagotista resolve retornar ao seu latofone e ainda depois tocar uma outra flauta de madeira que parece também de fabricação própria...

Já sei, ficou com vontade de ter estado lá, não? Pois é, sinto muito mas perdeste. No fundo não importa o absurdo que foi esse concerto: com o passar do tempo ele se tornou um momento singular na História, uma espécie de encenação divertida e non sense que não vai mais se repetir, nem que os mesmos músicos toquem as mesmas coisas e falem as mesmas palavras.

Pensando bem, até que AFFOSPA Contemporânea VII é um nome perfeitamente cabível, não?

domingo, 31 de outubro de 2010

30/10/2010 - Giuseppe Verdi, Aída. Ópera em 4 atos

Mais uma vez a Orquestra Filarmônica da PUC apresenta em Porto Alegre uma assim denominada "megaprodução", ou seja, mais uma ópera de Verdi, e nesse caso das mais famosas. Aída está ambientada no Egito Antigo, onde uma escrava etíope (Aída) disputa com Amnéris, filha do faraó, o amor de Radamés, que por sua vez comanda os exércitos egípcios. Em poucas palavras: a história de um amor impossível cuja força inabalável será condicionante de seu final trágico.

Na medida em que emprega centenas de artistas entre músicos, coreógrafos, dançarinos, iluminadores etc., trata-se de fato de uma grande produção. Os cenários suntuosos não deixam de mostrar aquilo que o imaginário ocidental reconhece por egípcio: colunas gigantes repletas de hieróglifos, palmeiras e estátuas de deuses meio-homens e meio-animais. O figurino é também bastante rebuscado, embora eu estivesse sentado um pouco longe para perceber detalhes nas vestimentas.

Mas, claro, a música é a essência do espetáculo, assim como o motivo deste blog. E é portanto para a orquestra, coro e solistas que quero dirigir nossa atenção. A instrumentação é vasta e estava completa com exceção da harpa, que foi executada em teclado eletrônico (na minha opinião sem perda grave na qualidade da obra, já que as técnicas de execução requeridas pelo compositor são perfeitamente imitadas ao teclado). Quem esteve na estréia do espetáculo mais uma vez teve que suportar um vício comum nas orquestras da cidade: o prelúdio serviu de aquecimento pros músicos, com problemas de sincronia entre os instrumentos e de afinação, os quais são nesse caso agravados pela dinâmica pianíssimo e pelas frases agudas nos violinos, que nem preciso dizer como incomodam quando irregulares. Mas deixando o pudor de lado, preciso salientar que afinação foi um problema em toda a ópera, desde a orquestra (principalmente metais) até os solistas, embora esses de forma menos acentuada.

Já não sei se vou me acostumando mal a isso, mas desafinações frequentes já nem me incomodam tanto, sendo que há tantas coisas além de alturas para se ouvir. Mas, putz, há momentos em que uma boa desafinada pode levar toda a coisa por água abaixo, não só a música como a própria semântica da obra. Um desses casos foi o julgamento de Radamés, ponto nevrálgico da trama e já ao final da obra. O chefe dos sacerdotes, Ramphis, chama o réu a justificar-se das acusações que lhe são impugnadas. Radamés, Radamés, Radamés!!, ele clama em solo por três vezes, nas quais vem acompanhado de um eco nos metais, em uníssono: fon, fon, fooooooon!. O único problema é que nesses "oooon" finais a afinação sempre caia, transformando o suspense por todos almejado num efeito circense ridículo. E não menos cômica foi a célebre marcha triunfal ao final do 2º ato, a qual festeja a vitória do exército egípcio sobre os etíopes. Os trompetes (novamente eles) se encarregam da melodia tão conhecida, mas no afã de sua apresentação acabam por acelerar o tempo e entram em defasagem com a orquestra. A marcha fica assim um pouco desengonçada, e quando os soldados do exército (que são de fato soldados, brasileiros) entram marchando em outro andamento, "triunfal" é certamente um adjetivo que eu excluiria ao descrever o resultado final.

Mas bem, é um espetáculo muito longo, e são também muitos os momentos bons, principalmente devidos à qualidade dos solistas, que dão maleabilidade à partitura e nisso são muito bem acompanhados pelo maestro. E seja como for, no final todo mundo aplaude de pé por longos minutos. Acho que sou eu o único casmurro que reclama, pois afinal uma ópera de Verdi "é tão emocionante". Bom, eu me sinto no direito de me queixar, já que além do custo das entradas, estamos pagando esse espetáculo também através de incentivo público federal. Ora, sendo que os músicos são bons e se poderia fazer melhor, porque não gastam um pouco mais com ensaios e, aí sim, mostram a Porto Alegre uma "megaprodução" que cumpra uma função cultural mais ampla do que o mero massagear de ego dos "amantes da música erudita"?

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

26/09/2010 - John Cage, Sonates & Interludes

Já bem sei que, após meses sem escrever nada neste blog, não há leitor que suporte e continue acompanhando o site. Ainda mais, claro, com Twitters e assemelhados jorrando palavras diariamente, ao que me parece engraçado lembrar do Pós-Concerto como universo paralelo, que se move lentamente e sobre um outro eixo que não o da hiperatividade cibernética. Mas, qual! Que não se pense que isso faz desse blog um lugar morto! Ao contrário, o Pós-Concerto segue mais vivo que nunca, e por ser silencioso não deixará de ser francamente mordaz:

A bola da vez no submundo dos concertos em Porto Alegre é a apresentação integral das Sonatas e Interlúdios (1946-1948) do compositor americano John Cage, conjunto de peças para piano preparado. Os quatro pianistas que se alternaram na performance foram Lúcia Cervini, Guilherme Goldberg, Joana Holanda e Catarina Domenici. Embora cada pianista tenha tocado seu quinhão aparentemente proporcional no conjunto das peças, é já digno de nota que a sua sucessão no palco foi completamente irregular, quase ou tão assimétrica quanto a própria disposição das Sonatas e Interlúdios. E por isso reproduzo abaixo o programa do concerto:

1. Sonata I (1)
2. Sonata II
3. Sonata III
4. Sonata IV (2)
5. Primeiro Interlúdio
6. Sonata V
7. Sonata VI
8. Sonata VII (4)
9. Sonata VIII
10. Segundo Interlúdio
11. Terceiro Interlúdio (3)
12. Sonata IX
13. Sonata X (4)
14. Sonata XI
15. Sonata XII (2)
16. Quarto Interlúdio (1)
17. Sonata XIII
18. Sonatas XIV e XV Gemini (3)
19. Sonata XVI

(1) - Lúcia Cervini
(2) - Catarina Domenici
(3) - Guilherme Goldberg
(4) - Joana Holanda

Essa foi a primeira vez que escutei a peça ao vivo (e aliás foi sua estreia em POA também), e muito me lembrei de uma gravação que tenho, a qual sempre me levava a refletir sobre o som insípido que tinha o piano preparado justo em sua peça mais célebre. Pois bem, o instrumento criado nesse concerto era sensacional, com sonoridades ricas e que sinceramente pareciam instrumentos de percussão: particularmente as ressonâncias de gongos eram muito interessantes. E talvez por este motivo não são poucos os que concebem a gravação de uma obra musical como uma espécie de maquete, que apresenta traços gerais de algo (potencialmente) melhor e "real".

E também não devem ser poucos que, como eu, tiveram um salto de interesse cada vez que Domenici entrou no palco para dar sua contribuição. Os demais pianistas tocaram bem, cada qual com sua personalidade, no que eu me arriscaria a dizer que graduavam entre o tipo mais impassível, lembrando o melhor estilo Bach-edição-Urtext-não-expresso-nada-fora-do-compositor de Guilherme Goldberg, por um lado, e os gestos mais variados de Joana Holanda. Mas a Catarina Domenici de fato transcendeu esse tipo de classificações, pois foi única em sua performance, combinando naturalmente concisão e expressividade de tal forma que cada movimento seu fizesse parte da música, assim como as notas. Claro, isso é uma espécie de impressão poética sobre o visto/ouvido, mas justamente sua existência é indício de uma interpretação inovadora.

Além de felicitar os envolvidos no concerto, quero ainda ressaltar a atitude importante de cobrar os 30 reais de entrada, que são uma maneira de valorizar o trabalho dos artistas, e assim ir na contra-corrente do afundamento mercadológico que representam os incentivos fiscais na área da cultura, onde nos acostumamos a ir de graça no concerto e depois gastar os 30 ou 40 pilas em cerveja. Só teria a dizer que o figurino foi um pouco aquém do resto, com umas túnicas que mais pareciam de formandos ou qualquer outra coisa acadêmica e enfadonha.

quarta-feira, 24 de março de 2010

23/03/2010 - 1º Concerto da Série Oficial, OSPA

Aí está lançada a temporada 2010 de concertos da OSPA, com casa cheia – embora seja apenas uma residência temporária, o Salão de Atos da UFRGS estava quase lotado. Tivemos direito a hinos nacional e rio-grandense, placa comemorativa e aplausos reiterados. Na regência, naturalmente, estava o maestro e diretor artístico Karabtchevsky, que sem dúvida nos apresenta uma outra OSPA quando nos visita esporadicamente (quem quiser vê-lo dentro dos próximos três meses, melhor garantir o ingresso pro concerto da semana que vem). Para além das ocasionais imprecisões de afinação ou entrada dos instrumentos, temos de convir que Karabtchevsky consegue extrair da orquestra uma clareza formal que, se não garante uma interpretação marcante, pelo menos mantém constante o interesse dos ouvintes. Isso vale para a Abertura da ópera O Franco-Atirador (C. M. Von Weber), e em menor escala para o Scherzo de Sonho de uma Noite de Verão (Mendelssohn) e Marcha Húngara – A Danação de Fausto (Berlioz), já que pedaços de obras sempre deixam a desejar quando se trata de apreciar a forma geral. Ao dizer clareza formal, de refiro à capacidade que o maestro tem (ou não) de dar direção ao conteúdo musical de determinada obra, mostrando também suas articulações e justaposições: às vezes um simples decrescendo se torna muito mais expressivo se conduzido e finalizado de maneira orgânica, o que oxigena toda uma seção musical subsequente.

Se por um lado a inserção de pedaços de peças no programa pode ser questionada, ou pelo menos relacionada com os concertos de música leggera do tipo “Concertos Zaffari”, sinceramente não consigo entender o que uma obra como a Suíte para Orquestra de Paulo Guedes fazia no meio do concerto, composto inteiramente por músicas franco-germânicas da primeira metade do século XIX. Desde já nada contra o elemento surpresa, mas qual será neste caso a idéia, se é que há alguma? Se fosse alguma espécie de contraposição com o repertório brasileiro, então bota logo um Villa-Lobos, ou melhor ainda, toquem as Cartas Celestes nº 8 do Almeida Prado – algo que realmente nos desloque de uma realidade a outra.

E quando, para o encerramento do concerto, a orquestra se preparou para começar a sinfonia nº3 (Beethoven), creio que não fui o único a pensar “bom, vamos ao que interessa”. Aqui mais uma vez vale a questão da clareza formal que já assinalei, e apesar de os dois primeiros movimentos me parecerem um pouco lentos demais, reconheço que é uma pura questão de gosto, e mesmo me pareceu que a fuga no final do 2º foi um dos momentos mais marcantes do concerto. Além disso todas as contribuições pessoais da primeira oboísta foram muito boas e contribuíram para a dramaticidade da peça. Claro, em Beethoven a questão formal é essencial, mas não dá pra deixar passar algumas desafinações imperdoáveis: (1) violoncelos logo na apresentação do primeiro tema da sinfonia (e de novo na reexposição); (2) os violinos no tema da marcha fúnebre, que é tão lento e tecnicamente simples; (3) o fagote no final do último movimento, que estragou todas as oitavas em fá# que tocava com a flauta, e levou consigo o efeito da coda na sinfonia; (4) as trompas, bem as trompas...

Não me considero demasiado exigente ou aquele ouvinte que procura o erro para satisfazer seu ego. Antes escrevo e registro as minhas opiniões conforme minha sinceridade, tanto é que reconheço, ao final deste texto, que o êxito conseguido pela orquestra na clareza de interpretação é muito mais importante que seus desleixos na execução, embora não devamos fingir que estes não existam ou não sejam numerosos. Apesar deles, e apesar do repertório nem sempre interessante, ainda sinto muito prazer em sair de casa para assistir a apresentação da 3ª de Beethoven ao vivo: é melhor do que voltar a escutar minha gravação de Leibowitz.

terça-feira, 9 de março de 2010

Afinal de contas, são as águas de abril invadindo o verão

Faça-se justiça: mesmo que não seja em resposta às minhas queixas, a Orquestra de Câmara do Theatro São Pedro finalmente publicou os programas da série de concertos oficiais 2010 (clique aqui).

Como se pode observar, não se tomou nenhuma decisão arriscada no repertório, com exceção talvez desse balé do compositor Vagner Cunha (por sinal, o filho do maestro), o qual nos sairá em primeira audição. Mas também não exageremos, pois sabe-se que a música do Sr. Cunha já é moeda corrente na Orquestra, seja em arranjos ou composições originais, dentre as quais me vem à memória um longo concerto para violino e cordas tocado há não muito tempo. Quanto ao resto, música barroca e clássica, além de dois concertos dedicados à música brazuca de orientação nacionalista. Claro, vamos apostar no que parece mais garantido, afinal trata-se da temporada que marca o 25º aniversário da Orquestra! Até aqui tudo bem, esperemos que a performance seja interessante e, por que não?, surpreendente.

A propósito, a OSPA abre seus trabalhos no dia 23 de março, espero poder escrever logo mais sobre este concerto.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

A misteriosa temporada 2010 de POA

Talvez com mais ênfase que em qualquer outro lugar, todos sabemos que no Brasil o ano começa em março. Depois do carnaval as crianças voltam às aulas, e os demais se sentem propensos a começar coisas, cursos, estudos independentes ou, em casos extremos, um blog. Entretanto, é curioso observar que estas águas de março não chegam até as instituições musicais de Porto Alegre, a julgar pela sequia de notícias, divulgações de programas ou pelo menos uma ínfima atualização de site. Eu fico consternado, com uma impressão de que todos sabem o que vai acontecer de bom neste ano e que eu não estou buscando corretamente, o que me leva a perguntar, sem qualquer intenção retórica: alguém tem alguma notícia do que vai acontecer neste ano? São Pedro? OSPA? Alguma produção independente, algum recital beneficente de hospital?

No fundo até poderíamos dar vazão ao nosso provincianismo retraído e declarar que Porto Alegre, ainda um meio musical incipiente, não possui rotina de concertos que justifique uma divulgação antecipada. Mas a quem vamos enganar? A precariedade de informações é o primeiro obstáculo na criação de nossa rotina de consumidores. E neste caso, a principal responsabilidade recai naturalmente sobre nossa Orquestra Sinfônica de Porto Alegre, que suga praticamente todos os recursos públicos aplicados no setor e, vejam só, ainda não publicou sua programação. Façamos uma comparação construtiva: a OSESP já estampou todos os nomes de intérpretes e compositores programados em suas séries de concertos e já está vendendo abonos antecipados. Em Buenos Aires, a reabertura do Teatro Colón recebe uma grande cobertura de mídia, também com todas as informações da temporada. E como pretendem que a OSPA possua um público ativo nesse clima de improviso? Não se sabe quem vai reger, que vai tocar, absolutamente nada. Em compensação, basta ter uma televisão ou internet (ou que sabe um vizinho) para saber desde o ano passado que Guns'n Roses vai tocar em março.

Enfim, terminaram as férias. Ou alguém está pensando secretamente nos nossos concertos neste momento, ou esperemos pelo pior: uma grande improvisação coletiva, onde tudo se faz na última hora, inclusive os ensaios.