quarta-feira, 24 de março de 2010

23/03/2010 - 1º Concerto da Série Oficial, OSPA

Aí está lançada a temporada 2010 de concertos da OSPA, com casa cheia – embora seja apenas uma residência temporária, o Salão de Atos da UFRGS estava quase lotado. Tivemos direito a hinos nacional e rio-grandense, placa comemorativa e aplausos reiterados. Na regência, naturalmente, estava o maestro e diretor artístico Karabtchevsky, que sem dúvida nos apresenta uma outra OSPA quando nos visita esporadicamente (quem quiser vê-lo dentro dos próximos três meses, melhor garantir o ingresso pro concerto da semana que vem). Para além das ocasionais imprecisões de afinação ou entrada dos instrumentos, temos de convir que Karabtchevsky consegue extrair da orquestra uma clareza formal que, se não garante uma interpretação marcante, pelo menos mantém constante o interesse dos ouvintes. Isso vale para a Abertura da ópera O Franco-Atirador (C. M. Von Weber), e em menor escala para o Scherzo de Sonho de uma Noite de Verão (Mendelssohn) e Marcha Húngara – A Danação de Fausto (Berlioz), já que pedaços de obras sempre deixam a desejar quando se trata de apreciar a forma geral. Ao dizer clareza formal, de refiro à capacidade que o maestro tem (ou não) de dar direção ao conteúdo musical de determinada obra, mostrando também suas articulações e justaposições: às vezes um simples decrescendo se torna muito mais expressivo se conduzido e finalizado de maneira orgânica, o que oxigena toda uma seção musical subsequente.

Se por um lado a inserção de pedaços de peças no programa pode ser questionada, ou pelo menos relacionada com os concertos de música leggera do tipo “Concertos Zaffari”, sinceramente não consigo entender o que uma obra como a Suíte para Orquestra de Paulo Guedes fazia no meio do concerto, composto inteiramente por músicas franco-germânicas da primeira metade do século XIX. Desde já nada contra o elemento surpresa, mas qual será neste caso a idéia, se é que há alguma? Se fosse alguma espécie de contraposição com o repertório brasileiro, então bota logo um Villa-Lobos, ou melhor ainda, toquem as Cartas Celestes nº 8 do Almeida Prado – algo que realmente nos desloque de uma realidade a outra.

E quando, para o encerramento do concerto, a orquestra se preparou para começar a sinfonia nº3 (Beethoven), creio que não fui o único a pensar “bom, vamos ao que interessa”. Aqui mais uma vez vale a questão da clareza formal que já assinalei, e apesar de os dois primeiros movimentos me parecerem um pouco lentos demais, reconheço que é uma pura questão de gosto, e mesmo me pareceu que a fuga no final do 2º foi um dos momentos mais marcantes do concerto. Além disso todas as contribuições pessoais da primeira oboísta foram muito boas e contribuíram para a dramaticidade da peça. Claro, em Beethoven a questão formal é essencial, mas não dá pra deixar passar algumas desafinações imperdoáveis: (1) violoncelos logo na apresentação do primeiro tema da sinfonia (e de novo na reexposição); (2) os violinos no tema da marcha fúnebre, que é tão lento e tecnicamente simples; (3) o fagote no final do último movimento, que estragou todas as oitavas em fá# que tocava com a flauta, e levou consigo o efeito da coda na sinfonia; (4) as trompas, bem as trompas...

Não me considero demasiado exigente ou aquele ouvinte que procura o erro para satisfazer seu ego. Antes escrevo e registro as minhas opiniões conforme minha sinceridade, tanto é que reconheço, ao final deste texto, que o êxito conseguido pela orquestra na clareza de interpretação é muito mais importante que seus desleixos na execução, embora não devamos fingir que estes não existam ou não sejam numerosos. Apesar deles, e apesar do repertório nem sempre interessante, ainda sinto muito prazer em sair de casa para assistir a apresentação da 3ª de Beethoven ao vivo: é melhor do que voltar a escutar minha gravação de Leibowitz.

9 comentários:

  1. Olá. Muito bom seus comentários!!! Acho que mais gente deveria fazer tb...para que tenhamos uma orquestra cada vez mais ligada à sua comunidade. Bravo!

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  2. Ah, em tempo: achei a presença do timpanista diferenciada: preciso, sonoro e centrado...Aliás, pq será que nunca falamos da percussão e dos tímpanos, não?....Minha idéia foi muito vaga? Espero que não...

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    1. sem duvida, meu caro, inclusive achei perfeito o seu (dele, o timpanista, claro) dominio e o equilibrio na utilização mesclada do german e do french grip (com um leve 'sotaque' escoces, vale ressaltar) nas passagens em que uma articulação precisa, sim, centrada, sim, sonora, sim, MAS... com aquele toque de finesse e suavidade, eram necessarias. muito bom o seu comentario, ideia super valida, abordar o trabalho desses verdadeiros herois, que ficam escondidos e passam muitas vezes despercebidos la no fundo da orquestra... rsss, é mole zezinho?kkkk...

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  3. "Que bom que existe critica" isso com certeza é para o bem geral dos
    concertos...para um ouvinte que nao se considera demasiado exigente, e
    que nao procura erro, imagina se procurasse! pois enumerou varios com
    direito a fas #...Que bom que alguém ouve e sabe o que ouve, so para
    constar que a Suite estava no meio nao como um elemento surpresa, pois
    de tanto so se tocar a musica Europeia existe ate uma lei de que todo
    concerto tem de haver alguma musica brasileira...imagine num pais de
    grandes compositores é preciso uma lei para que se executem suas
    obras...os desleixos em tema facil como disse o sr. Bruno
    podem ser apenas a ponta de um gigantescos Iceberg. Risomá Cordeiro

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  4. Caros amigos, agradeço o comentários sobre este último post e, antes de mais nada, tenho que me explicar sobre a nota fá#: não tenho (ainda bem!) ouvido absoluto, apenas conferi na partitura quando cheguei em casa. E de fato, meu "ouvido musical" nunca foi dos melhores. E essa do percussionista está aí pra exemplificar: sinceramente não havia observado nada particular em relação ao tímpano, mas quando li o comentário me dei conta do que provavelmente perdi neste concerto, por isso agreço muito a complementação. E por fim, tenho que acrescentar uma informação que soube hoje através da Acessoria de Imprensa da OSPA: o programa do concerto repetiu exatamente o repertório da inauguração da orquestra, há 60 anos atrás.

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  5. Só agora percebi que podia ( e devia) ter me identificado nos dois posts em que apareci como "anônimo" : José Moura de Sá - tecnólogo e fã assíduo da nossa querida OSPA. É isso aí!

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  6. O que acharam do último concerto? Eu achei um pouco longo demais, entretanto valeu esperar pela abertura Tannhäuser, de Wagner. Apesar dos problemas de afinação já citados, a orquestra mostrou ter garra e conseguiu encher de reverberação aquela sala tão seca e inapropriada para a música de concerto.

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  7. É uma lástima, mas não pude ir ao último concerto. Mas fico feliz por seu comentário, que registra algo do evento.

    Abraço,

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  8. 'jose moura de sá'? hehehe, criativo hein, amigo? mas nem tão esperto assim... de qualquer forma, belo trabalho.

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