domingo, 31 de outubro de 2010

30/10/2010 - Giuseppe Verdi, Aída. Ópera em 4 atos

Mais uma vez a Orquestra Filarmônica da PUC apresenta em Porto Alegre uma assim denominada "megaprodução", ou seja, mais uma ópera de Verdi, e nesse caso das mais famosas. Aída está ambientada no Egito Antigo, onde uma escrava etíope (Aída) disputa com Amnéris, filha do faraó, o amor de Radamés, que por sua vez comanda os exércitos egípcios. Em poucas palavras: a história de um amor impossível cuja força inabalável será condicionante de seu final trágico.

Na medida em que emprega centenas de artistas entre músicos, coreógrafos, dançarinos, iluminadores etc., trata-se de fato de uma grande produção. Os cenários suntuosos não deixam de mostrar aquilo que o imaginário ocidental reconhece por egípcio: colunas gigantes repletas de hieróglifos, palmeiras e estátuas de deuses meio-homens e meio-animais. O figurino é também bastante rebuscado, embora eu estivesse sentado um pouco longe para perceber detalhes nas vestimentas.

Mas, claro, a música é a essência do espetáculo, assim como o motivo deste blog. E é portanto para a orquestra, coro e solistas que quero dirigir nossa atenção. A instrumentação é vasta e estava completa com exceção da harpa, que foi executada em teclado eletrônico (na minha opinião sem perda grave na qualidade da obra, já que as técnicas de execução requeridas pelo compositor são perfeitamente imitadas ao teclado). Quem esteve na estréia do espetáculo mais uma vez teve que suportar um vício comum nas orquestras da cidade: o prelúdio serviu de aquecimento pros músicos, com problemas de sincronia entre os instrumentos e de afinação, os quais são nesse caso agravados pela dinâmica pianíssimo e pelas frases agudas nos violinos, que nem preciso dizer como incomodam quando irregulares. Mas deixando o pudor de lado, preciso salientar que afinação foi um problema em toda a ópera, desde a orquestra (principalmente metais) até os solistas, embora esses de forma menos acentuada.

Já não sei se vou me acostumando mal a isso, mas desafinações frequentes já nem me incomodam tanto, sendo que há tantas coisas além de alturas para se ouvir. Mas, putz, há momentos em que uma boa desafinada pode levar toda a coisa por água abaixo, não só a música como a própria semântica da obra. Um desses casos foi o julgamento de Radamés, ponto nevrálgico da trama e já ao final da obra. O chefe dos sacerdotes, Ramphis, chama o réu a justificar-se das acusações que lhe são impugnadas. Radamés, Radamés, Radamés!!, ele clama em solo por três vezes, nas quais vem acompanhado de um eco nos metais, em uníssono: fon, fon, fooooooon!. O único problema é que nesses "oooon" finais a afinação sempre caia, transformando o suspense por todos almejado num efeito circense ridículo. E não menos cômica foi a célebre marcha triunfal ao final do 2º ato, a qual festeja a vitória do exército egípcio sobre os etíopes. Os trompetes (novamente eles) se encarregam da melodia tão conhecida, mas no afã de sua apresentação acabam por acelerar o tempo e entram em defasagem com a orquestra. A marcha fica assim um pouco desengonçada, e quando os soldados do exército (que são de fato soldados, brasileiros) entram marchando em outro andamento, "triunfal" é certamente um adjetivo que eu excluiria ao descrever o resultado final.

Mas bem, é um espetáculo muito longo, e são também muitos os momentos bons, principalmente devidos à qualidade dos solistas, que dão maleabilidade à partitura e nisso são muito bem acompanhados pelo maestro. E seja como for, no final todo mundo aplaude de pé por longos minutos. Acho que sou eu o único casmurro que reclama, pois afinal uma ópera de Verdi "é tão emocionante". Bom, eu me sinto no direito de me queixar, já que além do custo das entradas, estamos pagando esse espetáculo também através de incentivo público federal. Ora, sendo que os músicos são bons e se poderia fazer melhor, porque não gastam um pouco mais com ensaios e, aí sim, mostram a Porto Alegre uma "megaprodução" que cumpra uma função cultural mais ampla do que o mero massagear de ego dos "amantes da música erudita"?